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domingo, 23 de julho de 2023

Costurar é preciso!

 

Mulher a cozer à máquina. José Carlos Rodrigues (1970- ). 
Bonequeiro de Estremoz certificado pela Adere-Certifica.

A máquina de costura é um objecto primordial que povoa o universo de memórias da minha infância.
Nasci no número 14 do Largo do Espírito Santo em Estremoz, no dia 19 de Agosto de 1946. Ali se situava a primeira oficina de alfaiate do meu pai. Daí que algumas das memórias de infância sejam de natureza acústica e tenham a ver com o regime de funcionamento da máquina, entre um arranca e um pára, ao sabor do tamanho da costura. Familiarizei-me, de resto, com diferenças de sonoridade associadas a costuras lineares, em ziguezague e pespontadas. Todavia, também há outras que fui registando desde muito cedo, até porque menos agradáveis. Entre elas, o partir da linha, o enfiar da agulha, a mudança de bobine e até mesmo o partir da agulha. Tudo contratempos que perturbavam o ritmo do ganha pão diário lá de casa.
Lá fui crescendo no meio de costureiras que tratavam o meu pai respeitosamente por Mestre e aí pelos 15 anos fui recrutado como aprendiz no decurso das férias escolares. Com uma cajadada, o meu pai matou dois coelhos: para o que desse e viesse, pôs-me a aprender os rudimentos do ofício, ao mesmo que me subtraía à rua, onde entre a rapaziada já havia quem gostasse de “Rock'n and Roll” e sem ele o saber, eu era um deles.
Parece que tinha o destino marcado e lá comecei a desempenhar as tarefas mais simples destinadas a um aprendiz, o que incluía não só cozer à mão, como também à máquina. E era aqui que eu renascia sempre que ao cozer entretelas, descarregava as tensões acumuladas ao ritmo do pedal da máquina. Era um indício bastante forte de que a minha vida não iria ser aquela.
Por isso, quando o meu pai equacionou o meu ingresso no Ensino Secundário, eu acarinhei a ideia com o compromisso solene de me empenhar mais que até aí, acordo que sempre cumpri.
A partir daí passei a encarar a máquina de costura com outros olhos.
Como estudante de Física vim a perceber que o movimento de vaivém do pedal da máquina, é transformado pelo sistema biela-manivela, em movimento de rotação da roda grande inferior, o qual através duma correia se transmite à roda pequena superior, que assim atinge uma velocidade muito superior, indispensável ao funcionamento eficaz da máquina de costura. Percebi também que é graças à inércia de rotação, que a máquina continua a trabalhar, mesmo após termos deixado de dar ao pedal.
Como membro responsável desta aldeia global que é o mundo, reconheço o contributo da máquina de costura caseira para a sustentabilidade do planeta. Com ela se podem reparar rasgões ou tapar buracos, reconverter modelos ou ajustá-los ao tamanho dum novo utilizador. Tudo isto numa prática de economia circular, a qual combate o desperdício da Sociedade do Descartável, que inescapavelmente conduz ao ecocídio.
Não é de estranhar que a máquina de costura ocupe um lugar privilegiado cá em casa, não como mero adorno decorativo, mas como instrumento de economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta. Trata-se de uma máquina SINGER centenária, que me foi oferecida pela minha mãe há cerca de 50 anos, após a sua aquisição aos herdeiros de uma velha senhora, acompanhada do catálogo do modelo e do respectivo recibo de compra.
Como coleccionador, investigador e publicista de Bonecos de Estremoz, não podia deixar de me encantar com uma criação do barrista José Carlos Rodrigues, representando a “Mulher a cozer à máquina”, em contexto de inícios do séc. XX com matriz alentejana (chão de tijoleira e cadeira pintada com flores).
Felicito vivamente o bonequeiro por este seu trabalho, não só pelo trabalho em si, mas porque nele estão interligados dois conceitos que me são gratos: a economia circular ao serviço da sustentabilidade do planeta e o Património Cultural Imaterial da Humanidade cuja salvaguarda é imperativa.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Aníbal e a preservação da (tua) memória



Reportagem de NOEL MOREIRA, 
publicada no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023,
de onde foi transcrita com a devida vénia

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No passado Domingo, 02 de Julho de 2023, decorreu no Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz a Sessão Evocativa a Aníbal Falcato Alves, promovida e dinamizada pela Comissão Concelhia de Estremoz do Partido Comunista Português. O anfiteatro foi pequeno para todos os que quiseram partilhar as suas histórias e vivências com o Aníbal, para os que simplesmente quiseram saber mais sobre este estremocense ou simplesmente prestar-lhe uma homenagem.
A sessão abriu com um momento cultural intitulado “Palavras de Abril”, a cargo do Grupo Cénico da Sociedade Operária de Instrução e Recreio “Joaquim António de Aguiar”, seguindo-se as intervenções dos convidados: José Emídio Guerreiro (sociólogo e ex-Presidente da Câmara Municipal de Estremoz) e de Abílio Fernandes (economista, militante do PCP, antigo deputado da Assembleia da República e ex-Presidente da Câmara Municipal de Évora), com quem o Aníbal partilhou momentos e histórias. Passou-se posteriormente a palavra aos que assistiram à sessão: todos os presentes poderiam intervir, partilhando as suas experiências, histórias ou aprendizagens com Aníbal Falcato Alves, através de curtas intervenções.
Como fiz questão de afirmar publicamente na sessão evocativa, nunca tive o privilégio de me cruzar com o Aníbal, visto que aquando da minha chegada a Estremoz, em 2009, o Aníbal já tinha falecido há mais de uma década. Apesar de quase três décadas decorridas, escutei nesta sessão histórias sobre ele, daquilo que tinha sido a sua intervenção social e política (até estudos sobre o eucaliptal e gestão de água na Serra d’Ossa realizou), do seu trabalho na preservação da memória do povo alentejano, da sua obra e da sua luta contra o regime fascista e a sua importância no pós-25 de Abril na região. Aquando da decisão da Comissão Concelhia em promover esta sessão evocativa, comecei a conhecer mais sobre a vida e obra deste ilustre estremocense, a sua história (e as suas histórias), as suas lutas, a sua intervenção e no fim de tudo isto fiquei a admirar profundamente o Aníbal Falcato Alves.


E quem foi o Aníbal? Qualquer coisa que possa escrever sobre ele nas páginas deste jornal soar-me-á sempre a pouco, face a tudo o que fui conhecendo, lendo e escutando, mas também face à emoção que cada um colocava na voz quando falava dele, face àquilo que ele fez por Estremoz e pelo Alentejo, pelo esforço para o acesso inclusivo à cultura, pela luta da liberdade enquanto muitos se refugiavam nas suas casas, no conforto podre do silêncio imposto pela ditadura fascista. Mas não posso deixar de tentar fazer aqui uma pequena resenha do que foi o Aníbal, socorrendo-me do conjunto de testemunhos daqueles que com ele conviveram de perto e daquilo que li… Arrisco fazê-lo, mesmo sobre pena de não conseguir atingir a sua dimensão enquanto homem, estremocense, alentejano, comunista, resistente antifascista, homem da cultura, mas não posso deixar de o fazer sobre pena de deixar passar em branco este momento, esta sessão solene.
Nascido em Estremoz, em 1921, Aníbal Falcato Alves foi mais do que um intelectual da cultura, mais do que professor, mais do que um resistente antifascista, mais do que um promotor do Alentejo, da sua cultura, gastronomia, património oral e das suas raízes, mais do que um amante de cinema, da literatura e da arte, mais do que um comunista. Aníbal Falcato Alves foi tudo isto numa única pessoa.
Bem cedo, com apenas 10 anos, Aníbal Falcato Alves começou a trabalhar como caixeiro, num pequeno estabelecimento da sua família. Começou por trabalhar sem qualquer salário e citando quem o conheceu, usando o seu humor refinado, dizia que “todos os anos o patrão lhe aumentava o salário para o dobro”. Acabou mais tarde por abrir o seu próprio negócio – uma Livraria e Papelaria na rua 5 de Outubro, onde não vendia apenas livros; o Aníbal permitia a consulta e leitura dos livros aos mais novos e aos que tinham menos posses, mas também clandestinamente transacionava livros proibidos pela censura fascista da ditadura de Salazar, semeando a inquietação, a resistência à ditadura, a liberdade, no fundo os ventos que mais tarde acabariam por dar origem à afirmação da Revolução dos Cravos. Citando Hernâni Matos, a Livraria do Aníbal era muito “mais que simples loja era um espaço de convívio e de resistência”.


Mas a sua apetência para as artes manuais acompanhava-o. Tirou o curso de canteiro artístico e durante vinte anos (1971 - 1991) foi professor de trabalhos manuais. Aqui influenciou várias gerações de estremocenses, desde os alunos aos colegas, desde os mais pequenos aos graúdos. E claro, Aníbal utilizou a sua apetência para as artes como ferramenta para primeiro combater o fascismo e depois semear os ventos de liberdade vindos com o 25 de Abril de 1974. O Aníbal foi artista plástico, ceramista, pintor, o que o levou a expor em mais de 30 exposições individuais e coletivas por todo o país. Mas o seu legado vai muito para além das obras da sua autoria. É talvez na recolha, preservação e salvaguarda dos hábitos, dos costumes, tradições e do património do Alentejo e das suas gentes, seja ele gastronómico, material (caso dos bonecos de Santo Aleixo ou do artesanato) ou imaterial, que a obra do Aníbal ganha destaque e se eterniza na espuma dos dias que hoje correm. Introduzo aqui a obra escrita do Aníbal, que se focou na preservação deste património oral e das tradições do Alentejo, tendo sido autor de duas obras principais: (1) “Comeres dos Ganhões” (nas suas múltiplas edições desde 1985), onde se inclui a recolha das receitas dos ganhões, hoje incluída na “gastronomia típica alentejana”, e um conjunto de relatos sobre a natureza e origem dessa gastronomia (não, não é um mero livro de receitas como alguns querem fazer crer); (2) “Rezas e Benzeduras” (publicado em 1998), uma coletânea de orações, ensalmos e benzeduras, muitas delas resultantes dos trabalhos de recolha com o etnólogo Michel Giacometti; no fundo a transcrição para papel da cultura popular alentejana. Em nenhuma das obras o Aníbal descurou do enquadramento sociopolítico dos quais resulta este património, atitude politicamente ativa que de alguma forma lhe corria no sangue.


É esta pro-atividade, obviamente acompanhada da sua visão plural e igualitária do mundo, com forte intervenção social, que o fez ser também um cidadão diferenciado, tendo sido um dos promotores do certame gastronómico anual “Cozinha dos Ganhões”, que hoje tanto orgulha Estremoz e os estremocenses, apesar de hoje já pouco restar da sua essência primordial – a vivência e memória gastronómica dos ganhões alentejanos. Foi também fundador do Cine Clube de Estremoz, então um dos mais importantes do país, tendo tido ainda um papel fundamental na constituição dos cineclubes de Elvas e Portalegre, e foi membro fundador do Círculo Cultural de Estremoz.
Falar de Aníbal Falcato Alves e não falar da sua intervenção política é quase que um desrespeito pela sua memória. Como já mencionado atrás, foi pela cultura que Aníbal combateu o fascismo, quer pela transação de livros considerados ilegais pelo regime fascista, quer pela sua obra, quer pela sua intervenção no Cine Clube de Estremoz. O Aníbal teve uma destacada participação na luta clandestina contra o regime, tendo-se tornado militante do Partido Comunista Português em pleno período da ditadura fascista. Para além disso integrou e participou ativamente nas campanhas do General Norton de Matos e Humberto Delgado, opositores ao regime fascista de Salazar. Apesar de tudo isto, a teia do fascismo, nomeadamente a polícia política do regime (PIDE), nunca o conseguiu demover nem prender, apesar das numerosas tentativas, denúncias e queixas apresentadas, como comprovam os documentos da PIDE presentes na Torre do Tombo. Depois do 25 de Abril teve também um papel destacado na organização dos trabalhadores rurais durante a reforma agrária, o que lhe permitiu também um profundo conhecimento do mundo rural, o que teve uma influência clara em toda a sua obra escrita. A transversalidade do Aníbal resulta de um profundo conhecimento do mundo real, das dificuldades sentidas e das vivências das gentes. Na sua vasta e ativa vida conviveu de perto com trabalhadores das pedreiras, agricultores ou artistas plásticos, analfabetos e professores, artistas de renome e ilustres desconhecidos…É portanto fácil aceitar a sua transversalidade perante as mais diversas camadas da sociedade civil quando também foi transversal na ação de consciencialização da população, lutando contra a alienação das massas, lutando pela liberdade, lutando por uma vida melhor e mais igualitária para todos.
Aníbal Falcato Alves faleceu em Junho de 1994, tendo deixado Estremoz e o Alentejo mais pobres.
A sessão evocativa decorrida no passado domingo mostrou de forma cabal a transversalidade e unanimidade da figura do Aníbal, com largas dezenas de pessoas de Estremoz, do Alentejo, do país a deslocar-se ao Auditório da Biblioteca Municipal de Estremoz para estarem presentes nesta sessão evocativa, apesar do calor tórrido que se fazia sentir nesse dia. Uma coisa é certa, a memória do Aníbal e do seu legado estão bem vivos na cabeça de todos aqueles que com ele conviveram, e a sua ação e obra vai muito para além daquilo que produziu fisicamente; ele mudou consciências, ele influenciou vivências, ele trabalhou para uma sociedade melhor e mais justa!
Pela preservação da memória do Aníbal e do seu legado é portanto fundamental que a ação não morra dentro das paredes da sala daquele auditório. Foi neste sentido que os eleitos da CDU apresentaram na sessão ordinária da Assembleia Municipal de Estremoz do passado dia 29 de Junho de 2023 a moção intitulada “Aníbal Falcato Alves: uma vida e obra dedicada à cultura Alentejana e à luta pela liberdade”, a qual foi aprovada por unanimidade dos presentes, e na qual se solicita ao Executivo Municipal que: (1) reedite e promova da obra “Os Comeres dos Ganhões: memória de outros sabores”; (2) promova uma exposição da obra plástica de Aníbal Falcato Alves, podendo a mesma ser incluída nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril no concelho.
Também da sessão evocativa saiu a proposta da edição de uma obra onde se compile as mais diversas memórias e relatos das pessoas que conviveram de perto com o Aníbal Falcato Alves, de forma a deixar vivo o seu legado e a memória coletiva da sua ação enquanto professor, Homem, intelectual da cultura, resistente antifascista e comunista.
Se uma das grandes obras do Aníbal foi a preservação da memória do Alentejo, a nossa tarefa hoje é preservar a memória do Aníbal!

Noel Moreira
Publicado a 6 de julho de 2023
Publicado no jornal E, nº 316, de 7 de Julho de 2023



Hernâni Matos

quinta-feira, 20 de abril de 2023

A incomensurável beleza e diversidade da geometria natural

 

A Natureza na sua gigante insignificância. Fotografia de Manuela Mendes.


A NATUREZA NA SUA GIGANTE INSIGNIFICÂNCIA, foi a legenda associada por Manuela Mendes, à magnífica fotografia que publicou no seu Facebook, a qual aqui reproduzo.
A imagem, de uma beleza extraordinária, revela a coabitação num tronco de eucalipto, de dois frutos (cápsulas) deiscentes, que se abrem, um por 4 e outro por 5 válvulas apicais, por onde podem sair muitas sementes.
Sem rejeitar aquela legenda, alvitrei, todavia, como legenda alternativa a seguinte: A INCOMENSURÁVEL BELEZA E DIVERSIDADE DA GEOMETRIA NATURAL.
Repare-se que as válvulas num caso assumem a forma de uma cruz, simbolicamente associada a Jesus, encarado como condutor de multidões e salvador do mundo.
No outro caso, as válvulas assumem a forma de uma estrela de 5 pontas, curiosamente o símbolo do internacionalismo proletário, dos trabalhadores que lutam pela emancipação social.
A natureza parece oferecer dois caminhos distintos, que provavelmente sob um ponto de vista epistemológico não serão opostos, já que cada um à sua maneira, aposta na valorização humana.

 Hernâni Matos 

sábado, 18 de março de 2023

Muros de pedra seca

 

Algures na freguesia de Beirã, concelho de Marvão. Fotografia de Manuela Mendes.

À Manuel Mendes, a quem agradeço
a gentileza de me ter autorizado a utilizar
esta excelente imagem por si captada,
algures no norte alentejano
e que esteve na origem do presente texto.

Que vejo eu?

Uma estrada que já conheceu melhores dias. Que vai dar não sei para onde. Talvez para o cú de Judas!

Árvores que se tocam e se beijam nas copas.

Valetas que já o foram, atapetadas por ervas que ali, ciclicamente se agigantam e depois perecem com o ciclo inescapável das estações.

Nuvens que não chegam para toldar um céu que se quer azul e se associa simbolicamente à serenidade, à harmonia e à espiritualidade. Céu onde nos ensinaram estar Deus, Todos-os-Santos e os Anjos.

Muros de pedra seca, votados ao abandono e que ladeiam a estrada como se fossem condenados. Muros que se tivessem mãos, as ergueriam para o céu e pensando nos edis, clamariam:

- PERDOAI-LHES PAI, QUE ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM!

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Município e ambiente - Uma no cravo, outra na ferradura

 

Pintura do projecto “O mar começa aqui” do Jardim de Infância de Santa Maria,
concretizado num sumidouro, junto à Praça de Táxis na Praça Luís de Camões,
em Estremoz. A memória descritiva do projecto, pode ser lida aqui .

Fotografias reproduzidas
com a devida vénia
do sítio do projecto

Sob o lema “Salvar os oceanos, proteger o futuro”, decorreu entre 27 de Junho e 1 de Julho passado, em Lisboa, a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, co-organizada pelos governos de Portugal e do Quénia.
Entre muitas outras conclusões, o documento final da Conferência dos Oceanos reconhece a importância da contribuição das crianças e jovens no sentido do avanço de uma economia sustentável baseada nos oceanos, o que pressupõe uma educação de qualidade e da literacia dos oceanos. Vejamos o que já foi feito nesse sentido em Estremoz.

Projecto "O mar começa aqui"
No início do mês de Junho foram pintadas pelo Agrupamento de Escolas de Estremoz, sarjetas e sumidouros na cidade. A iniciativa integrou-se no projecto Eco-Escolas “O mar começa aqui”, o qual contou com a participação de: Escola da Mata, Escola do Caldeiro, Jardim de Infância de Santa Maria e Escola Básica Sebastião da Gama. Estas aceitaram o desafio nacional lançado pela Associação Bandeira Azul da Europa – ABAE. A acção visava alertar toda a gente para o facto de que tudo o que entra naqueles escoadouros, através dos cursos naturais de água, flui em direcção ao mar.
De salientar que os objectivos globais do referido projecto, incluem: - Compreender a necessidade de preservação dos ecossistemas e da biodiversidade em geral e da qualidade da água doce e salgada em particular; - Educar para uma cidadania activa incitando os jovens a passar a mensagem de que “Tudo o que cai no chão, vai parar ao mar” a toda a comunidade educativa, - Estimular a criatividade dos alunos, através do desenvolvimento de competências em áreas como a expressão plástica; - Implementar estratégias de cooperação escolas-autarquias para a promoção da sustentabilidade. Esta pode ser definida como a capacidade de o ser humano interagir com o mundo, preservando o meio ambiente para não comprometer os recursos naturais das gerações futuras.

Estremoz Fun Running 2022
Integrada na Feira Internacional de Desporto de Estremoz - FIDMOZ, decorreu no passado dia 12 de Junho, a “Estremoz Fun Running”, iniciativa que visava conjugar a actividade física com diversão. A partida teve lugar pelas 17 horas, no Parque de Feiras e Exposições de Estremoz, percorreu diversas ruas da cidade e terminou no local onde começara.
Ao longo do percurso existiam estações de cor (verde, azul, vermelho, amarelo), de passagem obrigatória, onde os participantes foram pulverizados com pó colorido, constituído por amido de milho e corante alimentar, inócuo, biodegradável e lavável. Para que o pó aderisse melhor à roupa, em certos pontos do percurso existiam nebulizadores de água.
Assisti à “Corrida Alegre de Estremoz” na Praça Luís de Camões e vi os participantes atravessarem a estação de cor situada no Pelourinho, local onde foram pulverizados e nebulizados. No final, a presença de um autotanque dos Bombeiros Voluntários de Estremoz, permitiu que o piso fosse lavado á mangueirada, escorrendo a água colorida para dois sumidouros estrategicamente posicionados frente ao Pelourinho.

Sustentabilidade
Tanto o projecto "O mar começa aqui" como o evento “Corrida Alegre de Estremoz” contaram com o inestimável apoio do Município de Estremoz, para isso vocacionado, já que o primeiro é do âmbito educativo e o segundo dos domínios desportivo e lúdico.
Trata-se de eventos que não dispondo de públicos alvo inteiramente disjuntos, têm, todavia, alcances distintos. O projecto “O mar começa aqui” tem enorme alcance pedagógico. Como bem ensina o velho rifonário português, “É de pequenino que se torce o pepino”. Daí que o projecto procure educar as crianças para uma cidadania activa que induza na comunidade educativa, uma mudança de comportamentos que privilegiem a sustentabilidade.

E os miúdos?
Não sei se miúdos envolvidos no projecto "O mar começa aqui”, assistiram ou não à lavagem das estações de cor, uma vez terminada a "Corrida Alegre de Estremoz”. Em caso afirmativo, não sei também se alguns deles ficaram ou não confusos, ao ver água colorida escorrer para os sumidouros ou sargetas. Não sei também se terão ou não questionado o(a)s professor(a)s sobre aquilo que viram. Não sei também se o(a)s professor(a)s tiveram ou não dificuldade em fazê-los compreender que aquilo que estava a entrar nos sumidouros ou sargetas, não era prejudicial, porque não era contaminante. Admito que, dado o seu empenhamento pedagógico, o tenham conseguido fazer. Todavia, suponho que terá sido mais difícil explicar às crianças o desperdício de água usada, numa altura de seca que irá afectar a actividade agrícola nos próximos meses.
Quem sabe se o(a)s professor(a)s, aproveitando o ocorrido, não terão aproveitado para explicar o significado dos provérbios “Uma no cravo, outra na ferradura” e "Bem prega Frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz."

Pós-escrito
“A minha Pátria é a Língua Portuguesa´´. Assim o proclamou Bernardo Soares (Fernando Pessoa) no “Livro do Desassossego”, afirmação que se tornou numa divisa seguida por figuras altaneiras da Cultura Portuguesa, como Manuel Alegre, Agustina Bessa Luís, Sophia de Mello Breyner Andresen e Vasco da Graça Moura, para só citar alguns.
Constitucionalmente, assiste-me o direito de me insurgir contra o abastardamento da língua portuguesa, seja qual for a sua origem. No caso presente, a utilização do anglicismo “Fun Running” é absolutamente desnecessária e estúpida, já que o conceito que lhe está subjacente é perfeitamente traduzível através da bem portuguesa designação “Corrida Alegre”.
Tal como Jesus expulsou os vendilhões do Templo, é imperioso expurgar a língua portuguesa de locuções anglicistas ou outras, estranhas à nossa matriz identitária. Quem não o fizer, está a apunhalar a Língua Portuguesa, pelo que terá de assumir as suas responsabilidades.

Hernâni Matos
Publicado no jornal E n.º 293, de 7 de Julho de 2022

SEQUÊNCIA DE IMAGENS RELATIVAS ÀS DIFERENTES FASES DE EXECUÇÃO DO PROJECTO "O MAR COMEÇA AQUI" PELO JARDIM DE INFÂNCIA DE SANTA MARIA



 



quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O pastor apaixonado de Luísa Batalha


O pastor apaixonado (2021). Luísa Batalha (1959-  ).
 

Introdução
O pastor de ovelhas, memória rural de tempos idos, é um dos ex-líbris do Alentejo de antanho. Um das suas possíveis representações, é o chamado “pastor de tarro e manta”, cujos atributos são: o chapéu aguadeiro, o pelico e os safões, o cajado, o tarro e a manta. Trata-se de uma figura representada por todos os barristas de Estremoz, cada um dos quais o interpreta à sua maneira.

Marcas identitárias
O pastor de tarro e manta de Luísa Batalha ostenta bem visíveis, as marcas identitárias da barrista, as quais me são muito gratas. O rosto está bem definido, por estarem bem definidos os olhos, o nariz, as maçãs do rosto, a boca, o queixo, as orelhas e o cabelo. A representação do olhar é inconfundível.
A figura apresenta compleição robusta e sólida. As mãos são bem definidas, de tal modo que fazem lembrar mãos reais, mãos de pessoas de carne e osso. O cromatismo da figura é discreto e dele irradia tranquilidade e mesmo bucolismo.

Uma estória de amor
Na figura chamou-me especialmente a atenção: a presença de duas papoilas. Uma a embelezar o chapéu e ao próprio pastor no seu traje rural. A outra presa pela sua mão grossa de campaniço. Decerto que esta papoila é para oferecer à sua amada, que estará por ali bem perto, pois de contrário a flor murcharia. O pastor tem as faces rosadas. Talvez seja da paixão.
Estamos, pois, em presença de uma declaração de amor em contexto rural. O pastor de Luísa Batalha, conta-nos assim uma estória de amor.

Balanço
A barrista continua a trilhar com êxito o caminho que ela própria escolheu. Assim o revela esta bela criação, que tanto me aquece a alma.
Parabéns Luísa Batalha!

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Veiros: quem protege os moradores da Eira da Pedra Alçada?


Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

Veiros:
quem protege os moradores da Eira da Pedra Alçada?

Maria Helena Figueiredo
Membro da Mesa Nacional e da Comissão Coordenadora
Distrital de Évora do Bloco de Esquerda
Texto transcrito com a devida vénia,
do jornal Brados do Alentejo, de Estremoz,
do dia 13 de Fevereiro de 2020

Fotografias enviadas
     por um morador do local 


A construção da barragem de Veiros, em meados de 2015 e a que correspondeu um investimento público de cerca de 25 de milhões de Euros, veio responder a uma aspiração antiga e com ela a água tornou-se acessível à agricultura.

Ao contrário do que seria uma vantagem para Veiros com a água vêm os projectos de agricultura intensiva e super intensiva, os impactos negativos para o ambiente e um pesadelo para muitos dos que lá vivem.

Junto ao Bairro da Eira da Pedra Alçada, está a ser preparado o terreno para instalação de um olival intensivo ou super intensivo, numa propriedade que chega mesmo junto às casas ali existentes, o que está a preocupar, com razão, quem lá vive.

Escassos 10 ou 15 metros separam os muros das habitações que ali existem dos terrenos que estão já a ser preparados para o futuro olival intensivo.

A plantação de olival intensivo vai chegar perto das casas e há um conjunto de questões de saúde pública que se levantam e que, com razão, preocupam a população ali residente e relativamente às quais as entidades responsáveis parecem não dar qualquer importância.

Como todos sabemos estas culturas desenvolvem-se de forma rentável pelo recurso a um elevadíssimo consumo de água, da ordem dos 4.000 a 7.000 m3 por ha, e à aplicação de adubos e de fitofármacos que produzem fortíssimos impactos no ar que se respira, no solo e nas águas de superfície e subterrâneas.

Mesmo nos casos em que a produção é desenvolvida em modo integrado, ou seja, seguindo regras menos danosas para o ambiente, a instalação de um olival intensivo (e mais ainda super intensivo) implica sempre a aplicação adubos, de fungicidas e pesticidas e pulverizações regulares, que sujeitarão a população a respirar o ar contaminado com estes produtos.

Muitos destes produtos são glifosatos, muito perigosos para a saúde humana e vão ser aplicados junto às habitações.

Também a utilização de fertilizantes e pesticidas vai poluir as águas superficiais e subterrâneas, águas de poços que muita desta população utiliza.

De acordo com a legislação em vigor, a aplicação destes produtos em zonas urbanas é sujeita a um conjunto de regras, mas neste caso, como será numa exploração agrícola, nenhuma dessas precauções será aplicável, apesar de as casas estarem a escassos 10 ou 15 metros.

Legitimamente os moradores estão muito preocupados e receosos. Quais as consequências para a sua saúde e a dos seus filhos e netos por estarem a respirar regularmente ar contaminado pelas pulverizações de químicos? Como vão garantir que a qualidade da água dos poços e furos não é afectada pela drenagem dos fitofármacos e adubos e como vão continuar a comer a produção dos seus quintais? Quem quererá viver com um olival intensivo à porta de casa e quem quererá comprar as suas casas se quiserem ou tiverem que as vender?

O que está em causa já não é apenas o impacto ambiental destas culturas super intensivas, o consumo excessivo de água ou a salinização e sodificação dos solos. O que está em causa em Veiros é, no imediato, a saúde pública destes moradores e nenhum argumento tornará admissível que se instalem culturas intensivas a 10 ou 20 metros das habitações, seja em Veiros seja noutro qualquer local.

As entidades públicas questionadas pelos moradores não tem dado respostas ou quando as dão  pouco adiantam,  como foi o caso da Junta de Freguesia, que questionou os promotores do projecto, os quais, naturalmente, terão defendido que o mesmo não constituía qualquer perigo para a população, tendo a Junta concluído que se tudo for como os promotores dizem não haverá prejuízo, incómodo ou perigo para os moradores.

E se não for assim?

Hoje sabemos, pela experiência de muitas populações, em particular no Baixo Alentejo, que a sua qualidade de vida e a sua saúde estão fortemente ameaçadas com a instalação de olivais e amendoais intensivos e super intensivos perto das habitações.

E porque sabemos, não é admissível que os poderes públicos fechem os olhos a situações destas, omitindo a sua obrigação primeira que é a protecção das populações.

Exige-se, por isso que, quer a Câmara Municipal de Estremoz, quer a Junta de Freguesia de Veiros, quer os Ministérios da Agricultura e da Saúde, desenvolvam todas as acções ao seu alcance para proteger os moradores de Veiros, em especial da Eira da Pedra Alçada.

E que o façam agora, enquanto é tempo.


Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

Veiros: Bairro da Eira da Pedra Alçada

domingo, 18 de agosto de 2019

E vão quantos?




E vão quantos?
A resposta a esta sacramental pergunta é unívoca: 73. Fui parido no ano de 1946. No que respeita às centúrias: 1 e 9 são 10, noves fora 1. No referente a decénios, 4 e 6 são 10, noves fora 1. Também no que concerne à idade, 7 e 3 são 10, noves fora 1. Como estão a ver, a minha cronologia assenta no 1. É a revelação de que sou único, singular, excepcional e sem igual. Acontece ainda que nasci em Agosto. Daí que seja leónico e solar. O resto vem por acréscimo, tanto defeitos como qualidades.

E que tenho sido eu?                      
A sinopse da minha vida pessoal regista como marcos principais os seguintes: Parido, bebé de fraldas, puto de bibe e peão. Gaiato de calções, usei a opa da Igreja e como lusito marquei passo nas formaturas da Mocidade Portuguesa. Revoltado na Instrução Primária porque tive um professor que nunca o devia ter sido. Miúdo de Liceu, tornei-me um jovem descrente por tudo aquilo que via à minha volta. Corredor de fundo e saltador em altura, fui amputado para me deixar dessas coisas. Todavia, reaprendi a marchar, a andar de bicicleta e a dançar, já que nadar nunca se esquece. Concluí o Curso Liceal e fiquei livre da tropa, sem necessidade de fugir à guerra colonial. Na época já tinha consciência política, graças a alguns professores, ao meu pai e a amigos mais velhos com os quais acompanhava. Entrei na Universidade e no movimento associativo estudantil, fiz greves e manifestei-me, já que se vivia em plena crise académica e eu tinha o Maio de 68 na massa do sangue. Estudei que era por isso que por ali andava, fiz poesia e integrei o movimento desintegracionista. Quando dei por mim tinha acabado o curso. Físico, tornei-me professor sem querer e fui mestre-escola durante 36 anos.  
Pelo meio, amei, casei, fui pai e muitas vezes fui feliz. Recentemente, os meus alicerces deram de si e cheguei a estar do outro lado. Vagueei entre aquilo que dizem ser o céu, o inferno e o purgatório. Em todos estes locais fui rejeitado. Dai a razão de estar hoje aqui.
Falta-me plantar uma árvore, tarefa adiada porque me doem as costas. Para o ano logo se vê. E se Deus não quiser? - perguntarão alguns. A resposta é simples. Fica a árvore por plantar e eu curado das costas.

E que mais?
Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que sou recolector de objectos materiais que me enchem as medidas. Assim me tornei filatelista, cartofilista, bibliófilo e ex-librista. Para além disso, o fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levaram-me a reunir objectos que integram o registo da identidade cultural alentejana. Daí que por necessidade me tenha tornado investigador, historiador, etnógrafo e etnólogo com interesses pessoais na história local e na arte popular alentejana, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular estremocense. Tenho montado exposições iconográficas, apresentado comunicações e como escritor, jornalista e blogger, tenho publicado livros e textos que constituem o reflexo da minha intervenção cívica. Para além disso, sou ambientalista, libertário, igualitário, solidário, livre pensador e, é claro, franco-atirador.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Despedida Breve


Hernâni Matos (Cronista do E, que vai de férias e tudo.).

Esta coluna teve início em 22 de Maio de 2014 no número 104 deste jornal. Desde então decorreram 4 anos e esta coluna foi editada 96 vezes, o que se nos concede louros pela tenacidade, também nos confere especiais responsabilidades perante os leitores, nossos companheiros de estrada jornalística.
Estes 95 números constituíram uma caminhada com o leitor, ainda que não houvesse nem haja caminho, como nos ensina o poeta sevilhano António Machado (1875-1939): Caminhante, são teus rastos / o caminho, e nada mais; / caminhante, não há caminho, / faz-se caminho ao andar. / Ao andar faz-se o caminho, / e ao olhar-se para trás / vê-se a senda que jamais / se há-de voltar a pisar. / Caminhante, não há caminho, / somente sulcos no mar...
Esta coluna assumiu-se então como trincheira, tribuna e espelho. Trincheira na defesa da portugalidade, da língua portuguesa, do regionalismo, da tradição, da alma alentejana, da liberdade de pensar e do direito de opinar. Tribuna de defesa da razão, da justiça, da solidariedade, do amor, da liberdade e da procura de novos caminhos. Espelho dos nossos estados de alma, das nossas preocupações, das nossas motivações, dos nossos anseios, dos nossos sonhos e dos nossos desejos. E na altura também proclamámos: Não seguiremos cartilhas, não seremos a voz do dono, nem faremos de papagaios reais. Não somos súbditos de ninguém, nem prestamos vassalagem a ninguém. Temos dificuldade em dobrar a coluna vertebral, já que a nossa mãe nos pariu assim.
Decorridos que são 4 anos, é possível constatar que assim foi e que não ocorreu qualquer desvio relativamente aos princípios formulados. Esta coluna abrigou crónicas que constituíram exercícios de cidadania na defesa do património cultural material e imaterial local e regional, bem como da qualidade de vida. Defesa igualmente da identidade cultural alentejana, da valorização das tradições e da Arte e Cultura Populares.
Como exercícios de cidadania, as crónicas procuraram exercer junto do leitor, um papel pedagógico, simultaneamente informativo e formativo, ao apresentar questões e destacar problemas cuja resolução urge em termos de “Res publica”. Foram crónicas que tiveram um retorno positivo por parte dos leitores e que constituíram um incentivo no sentido da sua continuidade. Tem sido com prazer que temos caminhado com o leitor, já que temos o jornalismo na massa do sangue. Apesar de tudo, há outras solicitações a que estamos submetidos, nomeadamente no campo da edição literária e que nos estão a exigir um esforço redobrado, que não é compatível com o exercício regular do jornalismo. Daí que tenhamos sido obrigados a tomar opções, que se traduziram na interrupção da actividade jornalística. Esta não constitui uma deserção ou uma rendição do Franco-atirador, já que como sentinela do Povo, o nosso lugar é aqui no exercício da cidadania e com espírito de missão laica, em defesa de valores universais, democráticos e plurais, dos quais não prescindimos.
Cremos que o leitor respeitará as nossas opções e regressaremos assim que pudermos. Parafraseando o conto de José-Augusto França, diremos que será uma “Despedida Breve”.

Cronista do E, que vai de férias e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 199, de 03-05-2018) 

quinta-feira, 8 de março de 2018

Chove em Santa Maria


Estremoz - Igreja Matriz de Santa Maria

Chove que Deus a manda. A chuva tudo molha, inclusive a Casa de Deus (Leia-se Igreja Matriz de Santa Maria no Castelo). Chove em Estremoz, chove no Castelo, chove em Santiago. Só não estamos no filme de HelvioSoto, com Jean-Louis Trintignant e Annie Girardot, datado de 1975. Estamos em Estremoz, onde no Ano de Graça de 2018, os pombos vadios têm livre-trânsito municipal para defecarem onde lhes der na real gana, por tal convir à sua natural necessidade.
Há muitas vítimas de tal monumental e continuada defecação. Desta feita foi o Templo situado no coração do Centro Histórico da cidade. Os telhados povoados pelas necessidades dos columbídeos foram lavados pela chuva abundante e os dejectos escorreram por aí baixo, causando entupimentos, que fizeram com que chovesse no interior da Casa de Deus. Eu sei, porque passei por lá. Que querem que vos diga? Apenas uma coisa. Que estes animais de penas não deviam ter livre-trânsito municipal para arrear o calhau onde lhes aprouver.

Hernâni Matos
Cronista do E, ambientalista e tudo.
(Texto publicado no jornal E nº 195, de 08-03-2018)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Pedonalização da rua de Santo André


Uma imagem habitual do estacionamento na rua de Santo André.

A rua de Santo André, que na parte baixa do Centro Histórico de Estremoz, liga a Praça Luís de Camões ao Largo dos Combatentes da Grande Guerra, irá ser encerrada ao trânsito automóvel e ficará reservada ao trânsito pedonal.
PEDU inicial e PEDU final
A pedonalização da rua de Santo André está prevista no Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano do Município de Estremoz (PEDU ETZ). Este foi objecto de um contrato celebrado a 31 de Maio de 2016, em Santa Maria da Feira, entre a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Alentejo e o Município de Estremoz.
O PEDU inicial contém a medida “4.5 Promoção de estratégias de baixo teor de carbono para todos os tipos de território, nomeadamente as zonas urbanas, incluindo a promoção da mobilidade urbana multimodal sustentável e medidas de adaptação relevantes para a atenuação”. É nesta medida que se insere a Intervenção “Criação de Via Pedonal - Rua de Santo André”, a ser promovida pelo Município de Estremoz, a que corresponde um investimento público de 150.000 €, dos quais 127.000 € (85%) são financiados pelo FEDER.
Por sua vez, o Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano 2015 | 2020 do Município de Estremoz – PEDU final, reitera a intenção da referida intervenção, que se traduzirá no encerramento do trânsito na rua de Santo André. Com tal intervenção, visa o Município eliminar os problemas relacionados com o estacionamento ilegal, que provoca congestionamento no atravessamento do trajecto, bem como incentivar a mobilidade pedonal e a dinamização do comércio local. Este último documento fixa o período temporal da intervenção em 2016-2018 e revela o custo da intervenção como sendo 170.000 €, montante que substituiu o investimento público de 150.000 €, anteriormente previsto.
Consultando o website do “ALENTEJO 2000”, Programa Operacional Regional do Alentejo para o período 2014-2020, disponível em: http://www.alentejo.portugal2020.pt/index.php/projetos-aprovados/category/73-projetos-aprovados, constata-se que aquela intervenção não integra o conjunto de operações aprovadas à data de 30 de Setembro de 2017, o que causa alguma perplexidade, uma vez que já nos encontramos no ano em que deveria findar o período temporal da intervenção. Faço votos para que a pedonalização prevista para a rua de Santo André, transvaze do papel para a rua, do que tenho dúvidas, uma vez que não é conhecido qualquer projecto de pormenor.
História possível duma rua
A rua de Santo André recebeu esta designação, por se localizar nas traseiras da monumental Igreja Paroquial de Santo André, imponente no seu estilo barroco, cuja construção foi iniciada em 1705 e que viria a ser inaugurada em 15 de Setembro de 1725. A 8 de Outubro de 1940, abateu a nave central da Igreja, que reconstruída em 1944, viria a ser demolida em 1960, para ali ser edificado o actual Palácio da Justiça, inaugurado a 3 de Abril de 1964.
A rua de Santo André remonta ao séc. XVIII e tem início no nº 1, casa setecentista com sacadas de ferro, a que há que juntar outras duas em iguais circunstâncias, situadas nos nºs 12 e 30, bem como outra mais modesta, identificada com o nº 10, cuja fachada exibe um registo de 4 azulejos com duas alminhas e a inscrição P.N.A.M. Trata-se de uma manifestação de religiosidade popular, envolvendo uma representação de almas de defuntos no Purgatório, implorando aos vivos que orem por elas, a fim de se poderem purificar e ascender ao Céu.
A rua, de sentido único, nos anos 50 do séc. XX chegou a ter circulação automóvel no sentido inverso. Actualmente vocacionada para o comércio, desde o derrube da Igreja de Santo André em 1960 que não dispõe à entrada de uma placa toponímica. Foi uma das poucas que na parte baixa do Centro Histórico não foi vítima da sanha alcatroadora do Município, nos anos 90 do séc. XX.
Estado actual da rua
A degradação da rua é notória, sendo de salientar múltiplas situações chocantes: - Estacionamento ilegal por parte de quem não respeitando os direitos de cidadania dos outros, congestiona o trânsito sem ser penalizado, devido a inércia da PSP local; - Piso irregular, devido a múltiplos abatimentos causados pela travessia de veículos pesados e pela cedência de esgotos com tampa de laje, provavelmente do 1º quartel do século passado; - Passeios que aqui e além têm pedras soltas ou ausência de pedras, devido a múltiplas intervenções de prestadores de serviços, que a fiscalização do Município por inércia não monitorizou; - Restauração e comércio da zona, que vertem todos os desperdícios em 4 contentores ali existentes, à excepção das garrafas que depositam no vidrão, ignorando olimpicamente os ecopontos situados no largo da República e na rua 5 de Outubro; - Lixo junto aos contentores e que cai dos mesmos, quando o seu conteúdo é vazado pelos cantoneiros de limpeza na camioneta do lixo; - Contentores que são lavados e desinfectados com pouca frequência; - Falta de remoção de vegetação espontânea por parte de cantoneiros de limpeza; - Varredura cuja qualidade oscila entre a deficiência e a ausência da mesma; - Depósito pelo público de lixos grossos junto aos contentores, fora dos dias a isso destinados; - Bêbados que vão urinarem junto às paredes do Palácio da Justiça; - Deficiente iluminação da rua; - Autismo por parte de quem devia fazer cumprir a lei e não faz, fingindo desconhecer todo o desperdício e porcaria que por ali grassa.
Pedonalizar, sim! Mas como?
Morador na rua desde 1973 (há 45 anos), encaro com bons olhos a pedonalização equacionada pelo Município, uma vez que a mesma se pode traduzir no aumento da qualidade de vida de quem por aqui vive e trabalha. Todavia e uma vez que desconheço a existência de qualquer projecto de pormenor, não posso assegurar que entre mim e o Município possa existir identidade de pontos de vista acerca da pedonalização.
A meu ver, esta deveria passar por: - Remover toda a calçada e passeios; - Renovar os esgotos e a rede de distribuição de água às casas; - Utilizar a abertura de valas para implantar uma conduta que pudesse alojar cabos de fornecimento de sinal eléctrico, telefónico ou de televisão, que permitisse eliminar toda a parafernália de cabos que inesteticamente cruzam a rua de um lado para o outro, com os quais os fornecedores de sinal têm poluído visualmente a cidade; - Eliminar as sarjetas; - Calcetar a rua, de modo que a calçada ficasse ligeiramente inclinada da periferia para o eixo central, no qual existiriam espaçadamente grelhas de ferro para escoamento de águas pluviais; - Levar os proprietários dos edifícios a fazer escoar os algerozes dos telhados directamente para a rede de escoamento de águas pluviais; - Implementar um ecoponto no local onde se encontram actualmente os contentores; - Pavimentar a rua com calçada à portuguesa, preferencialmente com representações do Figurado em Barro de Estremoz, já que a sua Produção integra a Lista Representativa do Património Cultural da Humanidade; - Melhorar a iluminação da rua.
Com uma pedonalização executada do modo apontado, a rua ficaria catita e a intervenção poderia constituir um projecto-piloto para que Estremoz pudesse, de facto, ter mais encanto. Os munícipes agradeceriam.

Hernâni Matos
Morador há 45 anos na rua de Santo André
(Texto publicado no jornal E nº 194, de 22-02-2018)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

No mesmo mar navegamos…



No tempo da outra senhora
No tempo da outra senhora, a teia de interesses urdida pela aranha salazarista, obrigava quem se candidatasse a integrar a função pública, a ser forçado a subscrever um documento com assinatura reconhecida, no qual se expressava: “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”. Estava-se no regime de partido único que através da castração política, exigia fidelidade canina e obediência cega ao então suposto bem amado chefe e dono disto tudo.
“Brados do Alentejo” e “E”
Entre nós, nesta terra transtagana, existem dois jornais locais: o “Brados do Alentejo” e o “E”, cada um deles à sua maneira, ao serviço de Estremoz e do seu termo. São jornais plurais, não só pelo que está consignado nos respectivos estatutos editoriais, mas também pela prática salutar de a um jornalismo factual e noticioso, acrescerem um jornalismo de análise e de opinião, subscrito com o nome dos seus autores, o qual chancela indelevelmente aquilo que pensam, acreditam, defendem e propõem.
A matriz pluralista de cada um dos jornais está na origem da sua bateria de colaboradores se espraiar por um espectro largo de visões do mundo e da vida, que vão do CDS ao BE, passando pelo PSD, PS e PCP, englobando também aqueles que não se revêem em nenhuma destas opções do catálogo ideológico.
Um desses jornais, o “E”, inclui uma página onde em cada número e sob a epígrafe “Parlamento”, os representantes das várias áreas ideológicas respondem a uma questão de índole local ou nacional, formulada por um deles, situação na qual se vão sucessivamente revezando. Neste “Parlamento” é notória a ausência de quem quer que seja que dê a cara pela associação local MIETZ. Não porque ali e o mesmo acontece no outro jornal, se ostracize esta Associação, mas simplesmente por que esta decidiu não participar no “campeonato”, não se sabe se por não ter argumentos sólidos ou se por excesso de auto-estima, não se querer confrontar com os outros, ao atribuir-se a si próprio o estatuto de pertencer a um escalão superior, no qual é como que um partido único.
Quem não é por nós, é contra nós
E vá daí, o Presidente da associação local MIETZ proclama que os “Brados do Alentejo” e o “E” são boletins do Partido Socialista. Trata-se de uma forma redutora de catalogar um jornalismo livre e independente que recusa algemas, mordaças e vendas, que se as aceitasse, o reduziriam à condição dócil de ser “a voz do dono”. Honra e glória, pois, aos dois jornais locais que, cada um deles à sua maneira, se comportam como os irredutíveis Astérix e Óbélix, na Gália ocupada pelo usurpador romano.
Navegar é preciso
Os “Brados do Alentejo” e o “E” são jornais pluralistas nesta terra transtagana, na qual alguém sonhou, sem todavia o conseguir, impor a “lei da rolha” e o “delito de opinião”.
Se os “Brados do Alentejo” e o “E” são boletins do Partido Socialista, todos os seus colaboradores, repórteres e cronistas, do BE ao CDS, estão na mesma nau. Somos todos “socialistas”, não necessariamente à António Costa ou à Catarina Martins, mas também à Jerónimo de Sousa, à Rui Rio ou à Assunção Cristas. No mesmo mar navegamos, à procura de bom porto.
Cronista do “Jornal E” e dos “Brados do Alentejo”