quarta-feira, 6 de julho de 2016

53 – O Aguadeiro - 4


Aguadeiro.
Jorge da Conceição (1963-  ).
Colecção particular.

Literatura Alentejana
Como é sabido o(a) aguadeiro(a) era o homem ou mulher que acarretava água, que vendia nos domicílios ou na rua. Para além disso, no Alentejo também era designado por aguadeiro(a), o homem ou mulher que no decurso das ceifas, distribuía água para o pessoal se dessedentar. Iremos apontar aqui algumas referências literárias a nível de prosa.
No século XIX surgem-nos: - José da Silva Picão - ATRAVÉS DOS CAMPOS (1883): “Lá aliviam a miúde, para dizerem coisas ou para emborcarem golos de água fresca que a aguadeira lhes oferece,…”. - Fialho de Almeida - O AGUADEIRO ALENTEJANO in ÁLBUM DE COSTUMES PORTUGUESES (1888): “- E desta reclusão proposital da mulherinha que se fez dama, e acha que ir à fonte é ocupação imprópria de uma sécia nasceu o aguadeiro da vilota alentejana, o mariola válido e bistrado … e que em vez de cavar nas vinhas, ou de revolver a ferro de arado o esboroento salão dos sobreirais, anda de cachimbinho na boca, o grande relaxado, a apregoar – quem merca a água! – pelas ruelas sonolentas do povo, onde os porcos fossam nas estrumeiras, cigarras chiam, e um velho sino bate as horas, com uma plangência sinistra de tam-tam.”. - Conto O MENINO JESUS DO PARAÍSO in O PAÍS DAS UVAS (1893): “Com o camelo e o árabe, seria uma paisagem tangerina. Substituindo porém o dromedário por um cónego, e o árabe por um aguadeiro vestido de Saragoça, gritando “quem merca água!” adiante dum burro com cântaros de cobre, numas cangalhas de azinho, inesperadamente a feição muda, e não há Alentejo mais típico, nem gravura eborense mais “avant la lettre”. Entretanto o Paraíso de Évora é principalmente notável por três coisas: pelo seu aspecto exterior, pelo seu refeitório e pelos doces.”.
No século XX surgem-nos sucessivamente:
- Fialho de Almeida - Conto AVES MIGRADORAS in AVES MIGRADORAS (1914): “Lembra a rainha Dobrada, esposa de S. M. Termo tinto, dando beija-mão aos aguadeiros.”. - Júlio Dantas - ESPADAS E ROSAS  (1919): “Mas, para Alberto Sousa, como para o inglês Watts, “le paysage seul ne prouve rien”; é precisa a figura humana, o animal, o pormenor etnográfico a comunicar-lhe vida, intenção, movimento, —e assim, nas suas interpretações da écloga alentejana há sempre, ou uma mancha negra e confusa de gado, bezoando, cabritando, tilintando os chocalhos de cobre das Alcáçovas sob a guarda dos alfeireiros e dos rabadões, como no admirável trecho da Feira de S. Lourenço; ou o burro de um aguadeiro, como no Poço de Aljustrel;”. - J.A. Capela e Silva - GANHARIAS (1939): “Começa o martírio da sêde. E os homens pedem em grita a água que chega mórna, e que é ingerida em quantidades inverosimeis, continuamente distribuida pelo aguadeiro.”. - Manuel da Fonseca - CERROMAIOR (1943): - ”A maior parte dos camponeses já havia feito as compras e enchera as vendas do largo. De quando em quando, atraídos pelas gargalhadas dos que estavam de fora, chegavam às portas. O motivo do riso era a loucura mansa do aguadeiro, já bêbado, de fralda de camisa fora das calças, ajoelhado diante do burro. O meu burro é um santo!”. - Virgílio Ferreira - APARIÇÃO (1959): "A feira abriu com grande excitação. Todo o Rossio se iluminou de festa com … solitários vendedores de água com uma bilha e um copo ao lado,…”. - Mário Cláudio - AS BATALHAS DO CAIA (1995): “E impingiam-lhes os talhantes as carnes velhas e nervosas, abasteciam-nos as fruteiras das mais amargas laranjas, forneciam-lhes os aguadeiros a vaza das nascentes dos cemitérios, se não aquela em que haviam malevolamente mijado.”.
Hernâni Matos

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