quinta-feira, 28 de julho de 2011

Novamente o "Barbeiro sangrador"

Barbeiro sangrador, peça da barrística popular estremocense da autoria das afamadas barristas Irmãs Flores. Inspirada na imaginária popular do séc. XVIII, é uma representação ingénua do acto de sangrar.(Imagem recolhida no blogue do extinto Museu do Artesanato, Évora).


DATAÇÃO E ORIGEM
Em Junho - Julho de 1962, esteve patente ao público no palácio de D. Manuel I, em Évora, a importante exposição “BARRISTAS DO ALENTEJO”, organizada pelo Grupo Pró-Évora e que contou com o alto patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. Para o prestigiado evento foi editado um catálogo de 72 páginas e 40 ilustrações a preto e branco.
Nessa interessante publicação [5] com prefácio de José Régio e Júlio dos Reis Pereira, é feito o inventário de 362 lotes de peças do figurado alentejano, pertencentes a colecções particulares de Estremoz, Azaruja, Évora e Portalegre, bem como a colecções institucionais de Estremoz, Elvas, Vila Viçosa e Redondo.
No conjunto das peças expostas havia uma vasta representação de figurado de Estremoz, pertencente a diferentes épocas. Uma delas com a tipologia da descrita por nós em post anterior, como “barbeiro sangrador”, era pertença do médico João do Couto Jardim, de Vila Viçosa. Tinha 22 cm de altura e 13 cm de largura. Foi identificada como “operação cirúrgica” e reconhecida como peça do séc. XVIII. Independentemente da designação que lhe foi atribuída e da qual discordamos, ficámos a saber que o modelo que ainda hoje é fabricado pelos nossos barristas, remonta ao séc. XVIII.
Por sua vez, Solange Parvaux [2], investigadora francesa que realizou trabalho de campo sobre cerâmica alentejana em Agosto de 1959, 1960 e 1961, chama “cirurgião" àquela peça. 
Joaquim Vermelho [6], Director do Museu Municipal de Estremoz já falecido, chama-lhe também “cirurgião”, referindo tratar-se de uma “paródia ao barbeiro numa operação de sangria”. Posteriormente, Joaquim Vermelho [7], evoluiu para a designação “barbeiro cirurgião”, que creio ser mais aceitável. Todavia, prefiro a designação de “barbeiro sangrador”, pois como referi em post anterior, segundo Manoel Leitam (1), cirurgião do Hospital Real de Todos os Santos, em Lisboa, a médicos e cirurgiões competia a prescrição das sangrias e a barbeiros sangradores e Barbeiros cirurgiões, a sua execução. Deste modo a execução duma sangria apenas legitima a meu ver, a atribuição da designação de “barbeiro sangrador”, uma vez que não está a executar qualquer cirurgia.

AINDA E SEMPRE A LITERATURA ORAL
O cancioneiro popular refere-se à sangria, executada pelos barbeiros sangradores. Assim uma filha, que provavelmente não devia ter feito aquilo que fez, implora à mãe:

“Ó minha mãe não me bata
com varas de marmeleiro
que eu estou muito doente
mande chamar o barbeiro.” [3]

A quadra seguinte está naturalmente impregnada de segundo sentido. Trata-se, provavelmente, de um pai ou de uma mãe, que vociferam para um barbeiro sangrador, que sangrou uma menina onde não o devia ter feito:

“Mal hajas tu barbeiro
e mais a tua navalha!
foste sangrar a menina
na veia mais delicada!” [3]

Luís Pina [4] estudou um “Calendário Higiénico” da autoria de Vale Carneiro (1712), repleto de singulares prudências médicas. Relativamente ao mês de Janeiro, recomenda que:

“Sem causa urgente foge da sangria,
Bebe do vinho branco e delicado,
Deixa o falso, não laves todavia
A cabeça; usa sempre o mel rosado.” [4]

Também no mês de Julho, aconselha que: “Não tomes nem sangria, que é engano”. [4]
E, por enquanto, ficamos por aqui.

BIBLIOGRAFIA
(1) – LEITAM, Manuel. Pratica de Barbeiros em Quatro Tratados em que se trata de com se ha de sangrar, & as cousas necessarias para a sangria; & juntamente se trata em que parte do corpo humano se haõ de lançar as ventosas, assi secas, como sarjadas; & em que parte compitaõ sanguixugas, & o modo de as applicarem; com outras muitas curiosidades pertencentes para o tal officio, em Lisboa, à custa de Francisco Villela, 1667.
[2] - PARVAUX, Solange – La Céramique Populaire du Haut-Alentejo. Paris: Presses Universitaires de France, 1968.
[3] - PINA, Luís. Medicina e Superstição in A ARTE POPULAR EM PORTUGAL, vol. I. Editorial Verbo, 1979.
[4] - PINA, Luís. Um poético calendário português de Higiene seiscentista. Boletim da Câmara Municipal do Porto, XIII. Porto 1950.
[5] – PRÓ-ÉVORA, Grupo. Barristas do Alentejo. Évora, 1962.
[6] - VERMELHO, Joaquim – Barros de Estremoz. Limiar. Porto, 1990.
[7] – VERMELHO, Joaquim. Sobre a Cerâmica de Estremoz. Arquivos da Memória. Edição Colibri. Câmara Municipal de Estremoz. Lisboa, 1995.

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