segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

É burro!


Carrego do burro. Fotografia do alterense Artur Pastor (1922-1999).


Quando um estudante tem mau aproveitamento escolar, diz-se:
- É burro!
Quando um automobilista faz uma manobra perigosa, comenta-se:
- É burro!
Quando num jogo decisivo, o árbitro não vê uma grande penalidade, da assistência grita-se:
- É burro!
Quando o medico falha o diagnóstico e o doente morre, reputa-se:
- É burro!
Quando um sindicalista se deixa levar nas negociações, diz-se com desdém:
- É burro!
Quando o 1º ministro falha as politicas, clamam os do contra:
- É burro!
Entre nós quando se chama burro a alguém é para o ofender, pois o termo reúne em si a múltipla carga negativa de: pouco inteligente, estúpido, teimoso, ignorante e pouco criativo. Etimologicamente a palavra “burro”, provem do latim “burrus”, que quer dizer vermelho. Acredita-se que foi daí que surgiu a crença de que burros são pouco inteligentes, pois antigamente, os dicionários tinham capas vermelhas, dando a ideia de que os burros eram sedentos de saber.
Desde os tempos imemoriais, que nas comunidades rurais, os burros são utilizados como auxiliar das tarefas agrícolas e como animais de carga. Porém, o abandono das actividades agrícolas tradicionais, fez com que este animal doméstico se encontre à beira da extinção. Contra isso lutam associações regionalistas, um pouco por todo o país, o que naturalmente é merecedor de todo o nosso apoio e simpatia.
Como etnógrafos constatamos a abundante presença do burro na literatura oral: lendas, contos populares, cancioneiro, adivinhas e provérbios, o que só por si testemunha a importância do burro nas antigas comunidades rurais. Na impossibilidade, de abordar aqui todos aqueles domínios, cingir-nos-emos aos provérbios, que como é sabido, são um repositório de sabedoria popular. Eis o conjunto de provérbios portugueses sobre burros que nos foi possível coligir:
- A burro morto cevada ao rabo.
- A burro que muito anda, nunca falta quem no tanja.
- A burro velho, capim novo.
- A burro velho, pouco verde.
- À falta de um grito, morre um burro no atoleiro.
- A ferramenta é que ajuda, não é o pisco em cima da burra
- A gente não deve de ficar adiante do boi, nem atrás do burro, nem perto da mulher: nunca dá certo
- A gente, queira ou não queira, tem de ir de burro à feira.
- A julgar morreu um burro.
- A pensar morreu um burro.
- Albarda-se o burro à vontade do dono.
- Andar de cavalo para burro.
- Antes bom burro que ruim cavalo.
- Antes burro vivo que doutor morto.
- Antes burro vivo que letrado morto.
- Às vezes não se respeita o burro, mas a argola a que ele está amarrado.
- Burro com fome, cardos come.
- Burro grande, cavalo de pau.
- Burro que geme, carga não teme.
- Burro velho não aprende línguas.
- Burro velho não toma andadura e se toma pouco dura.
- Burro velho não toma andadura.
- Burro velho, albarda nova.
- Burro velho, mais vale matá-lo que ensiná-lo.
- Burro velho, não aprende línguas.
- Com a morte do asno não perde o lobo.
- Criado que faz o seu dever, orelhas de burro deve ter.
- Depois do burro morto, cevada ao rabo.
- Em Janeiro todo o burro é sendeiro.
- Em Maio deixa a mosca o boi e toma o asno.
- Filho de burro não pode ser cavalo.
- Jumento e filho de padre são poços de manha.
- Jumento, padre com manha, são poços de artimanha.
- Mais vale burro vivo do que sábio morto.
- Mulo ou mula, asno ou burra, rocim nunca.
- Não é mel para a boca do asno.
- Não é por grandes orelhas que o burro vai à feira.
- O boi conhece o dono e o jumento a manjedoura.
- O burro acredita em tudo o que lhe dizem.
- O burro adiante para que não se espante.
- O burro do meu vizinho só sabe o que lhe ensino.
- O burro não é tão burro como se pensa.
- Palavra de burro é coice.
- Quando o burro é jeitoso, qualquer albarda lhe fica bem.
- Quando um burro zurra, os outros abaixam as orelhas.
- Queira ou não queira, o burro há-de ir à feira.
- Quem come carne na véspera de Natal, ou é burro ou animal.
- Quem não pode, aluga um burro.
- Quem o asno gaba, tal filho lhe nasça.
- Quer queira quer não queira, o asno há-de ir à feira.
- Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha.
- Todo o malandro é um burro de sorte.
- Um burro carregado de livros é um doutor.
- Um olho no burro, outro no cigano.
- Zurros de burro não chegam aos céus.
Tal como os burros que foram objecto do presente “post”, também a literatura oral precisa de ser preservada e divulgada, o que se faz transmitindo aos mais novos, as fontes de sabedoria dos nossos ancestrais.

Publicado inicialmente em 22 de Fevereiro de 2010 

19 comentários:

  1. Diz o povo que «vozes de burro não chegam ao céu», mas quanto a provérbios sobre burros já não digo o mesmo...

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  2. Parabéns Amigo, 16 seguidores em 24 horas é obra.

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  3. Parabéns Prof. Hernâni, por este blog tão interessante, para a nossa cultura linguistica!!
    Pegando num destes provérbios, analiso o estado actual do estado democrático Português...
    Alguém no PS deveria ouvir este ditado ou provérbio... Talvez o chefe, que ninguém chama de chefe!!
    "À falta de um grito, morre um burro no atoleiro"

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  4. Perante tanta sabedoria, meu caro amigo sinto-me mesmo...burro!!!!!!!!!!!!!

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  5. Esta fotografia foi tirada em Viana do Alentejo, por alturas de 1910, na então Rua da Assunção, hoje Rua Cândido dos Reis, frente à casa da família Gusmão.. O aguadeiro era o velho "Zé da Água", de seu nome completo José dos Santos Pão Mole.O fotógrafo foi Viriato Campos, aqui residente mas natural da vizinha vila de Alcáçovas.
    Francisco Baião | Viana do Alentejo

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  6. Vai-se o " Zé do Burro" de abaladas para os Montes de Santo António.O burro mede-lhe os efeitos do branco da Adega do Carlos. O Zé mal se tem nas pernas, vai-se ao tem-tem de subir e finalmente amortalha-se como feltro velho entre o banco encardido. Move-se a traquitana Rua de Santo António fora, portas da mesma, em direcção aos confinares do Cemitério, ali é o casario dos Montes de Santo António. O Zé do Burro chega são e salvo, nem sequer teve de dar olhos e pantalha à bebedeira. E digam lá se isto é Burro!...

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  7. Albarda-se o Burro à vontade do dono. Por este País há tantos burros sem albarda, que não sei se uma fábrica inteira chegava para albardar todos. Voltando ao tema, fico sempre surpreza com tantos conhecimentos do professôr, mais uma dívida cultural, obrigada pelo seu altruísmo em divulgar a cultura.
    Rosa Casquinha

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  8. Prof. Hernâni, gosto imenso do seu blog, aliás é dos que mais aprecio. Quase todos os dias aprendo coisas novas e interessantíssimas. Obrigada por todos os dias me presentear com tão belas histórias e costumes reais.
    Bem haja
    Lúcia Santos

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  9. Lúcia:
    É bom ter feedack sobre aquilo que escrevemos, que é uma forma de aliviar a alma.
    Todos nós aprendemos uns com os outros. Vou procurar conhecer os seus blogues.
    O mundo é uma aldeia pequena. O meu pai era alfaiate e eu cheguei a aprender os rudimentos da arte. Hoje alinhavo palavras, para cerzir ideias, com que bordo prosas que os outros gostam de ler.
    A minha mulher gosta muito de ponto cruz e a minha filha de fazer tricot com lã.Na sequência do meu post
    GANCHOS DE MEIA E MEIAS DE CINCO AGULHAS
    http://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2011/06/ganchos-de-meia-e-meias-de-cinco.html
    está interessada em aprender.
    Os meus cumprimentos.

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  10. Que grande descoberta a deste blog! Já está nos meus favoritos.
    Gosto muito de burros (de 4 patas)!

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    1. Maragitado.
      O burro é um animal resistente e inteligente, ainda que teimoso. Todavia lá terá as suas razões para contrariar os humanos. É também muito simpático.
      É caso para dizer que de burro não tem nada!

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  11. Caro Hernani Matos
    Mais uma história a acrescentar, àos BURROS
    A minha mulher conta uma história passada nos seus tempos de criança. É assim... Quando a minha mulher andava ainda na primária por volta de 1964, 1965, o padrinho dela tinha um burro que puxava uma carroça e costumava levala e mais a um colega para a escola. O caminho desse trajecto era em terra batida e tinhas pedras que as águas das chuvas iam pondo à superfície, algumas bem acima. O burro gostava de passar com uma das rodas da carroça por cima de uma pedra em especial e todas as vezes que fazia o caminho, o raio do burro apesar dos esforços e dos impropérios do padrinho para o desviar, o burro calculava com precisão milimétrica e conseguia a dele, sempre passava com a roda da carroça por cima da referida pedra.

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    1. Júlio:
      Obrigado pelo seu comentário.
      É mais uma história que registo.
      Há inúmeras e algumas delas hilariantes.
      Os meus cumprimentos.

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    2. Modesto Vitória
      Profº Hernani, demasiados portugueses têm feito como o burro, não em passar por cima da mesma pedra,mas com demasiado daltonismo - laranja/rosa, embora a cor da Esperança seja o Verde...
      Aproveito para contar um acontecimento (queda)de cima dum burro. Quando tinha os meus 9 ou 10 era hábito andar de burro sem albarda, acontece que o burro tinha mataduras (feridas no lombo)sabia que ao passar por baixo dos ramos de uma determinada alfarrobeira as mosca deixavam do incomudar, pois, não serviu de nada puxar pela arriata, o burro passou e eu fiquei estatelado no chão a ver estrelas...
      É possível que tivesse ficado com alguns neurónios atrofiados, muitas pessoas dizem que vivo de Utopias, isto é,idializo um Mundo melhor...
      Um abraço

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    3. Meu Caro Modesto Vitória:
      Obrigado pelo seu comentário.
      O que seria o Mundo sem Utopias?
      Um abraço.

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  12. hÁ BURROS que sabem ler,
    E falam de boca aberta,
    Ficam sempre sem saber,
    Qual será palavra certa.

    Todo o BURRO tem na mosca,
    Visita mal enquadrada,
    Mas, sem ela o tal BURRO,
    JÁ NÃO VALIA DE NADA.

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    1. O meu caro anónimo não deu a cara, o que é desejável e é habitual em pessoas de carácter, que não se escondem atrás do anonimato. É que às vezes os comentários são “coices” não se percebe bem dirigidos a quem. Desta vez, respondo-lhe. E já que estamos a falar de burros, permito-me citar o poeta algarvio António Aleixo:

      “Há tanto burro a mandar
      em homens de inteligência
      que, às vezes, chego a pensar
      Que a burrice é uma Ciência”.

      Sobre moscas e do mesmo autor lá vai esta cantiga quadrada:

      “Uma mosca sem valor
      pousa c'a mesma alegria
      na cabeça dum doutor
      como em qualquer porcaria.”

      Os meus cumprimentos.

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  13. ...CABEÇA DE BURRO ÉS TU,
    Assim termina a lengalenga que faz parte da nossa tradição oral.

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