Em 1994, na sequência do falecimento do então Presidente da Câmara Municipal de Estremoz. José Dias Sena, exerci interinamente as funções de Presidente da Assembleia Municipal de Estremoz.
Do Tempo da Outra Senhora
A Escrita como Instrumento de Libertação do Homem
sexta-feira, 26 de abril de 2024
25 DE ABRIL DE 2024: Presente!
quarta-feira, 24 de abril de 2024
POESIA E ARTE NEO-REALISTA / A luta contra o regime
Foi em 25 de Abril de 1974, graças à acção militar coordenada do
Movimento das Forças Armadas – MFA, que foi conseguido o derrube da ditadura
mais velha da Europa – o regime totalitário e fascista de Salazar e de Caetano.
O 25 de Abril foi antecedido de muitas lutas contra o regime por parte
de múltiplos sectores da sociedade portuguesa. Entre eles a frente cultural de
escritores e artistas plásticos, descontentes com a política cultural do regime
e que integrou o chamado “Movimento Neo-realista Português”. Este surge em
finais dos anos 30 e identifica-se com a oposição ao regime, afirmando-se como
representante e porta-voz dos anseios das classes trabalhadoras, retratando a
realidade social e económica do país e empenhando-se na transformação das
condições sociais do mesmo. Nesse sentido, foca-se no homem comum, procurando
saber como vivem operários e camponeses. Aborda e aprofunda temas como as
desigualdades sociais e a exploração do homem pelo homem. Escrutina as injustiças
e analisa o modelo social vigente. Pugna pela elevação moral dos oprimidos e
deposita esperança no futuro do Homem.
Na passagem dos 50 anos do 25 de Abril de 74, tomei a liberdade, de
fazer uma selecção de poemas e obras plásticas de autores neo-realistas, para
divulgara aqui nas páginas do jornal E. Tal é possível, porque Abril nos
restituiu a liberdade e este jornal é assumidamente um espaço de liberdade.
É a maneira encontrada de reconhecer e louvar o papel daqueles que na
frente cultural antifascista lutarem e bem, com as armas que tinham na mão: as
canetas e os pinceis.
Bem hajam, companheiros de estrada.
25 DE ABRIL, SEMPRE! FASCISMO NUNCA
MAIS!
Poesia portuguesa - 127
Para a C...[i]
Soeiro Pereira Gomes (1909 – 1949)
Menina dos olhos grandes,
Tão grandes que neles vejo
A minha imagem e o mundo
Com que sonho e que porfio...
Menina do riso ingénuo
À porta dos lábios mudos
Como fio de água fresca
Entre o musgo duma rocha...
Menina de tez morena
Que o sol beija e mais ninguém
E de corpo tamanino
E de rosto tão bonito...
- Porque usas carrapito?
P'ra realçar teus encantos
Que são tantos, tantos, tantos
Como estrelas há no céu?...
Menina do meu enleio
Menina doutras meninas
Que tenho nos olhos tristes:
- Solta as tranças, vai cortar
(Não dói nada... e é mais bonito)
Vai cortar o carrapito!
Soeiro Pereira
Gomes (1909 – 1949)
[i] Poema datado
de 20/07/1949, dedicado a Cândida Ventura (1918 – 2015), que então usava o
pseudónimo “Carlota”.
terça-feira, 23 de abril de 2024
Poesia Portuguesa - 126
Ser
Luís Veiga Leitão (1912-1987)
Vir à luz em partos duros
- ser erva rasgando a pele
granítica dos muros
Viver em grades desterros
e ser um raio de sol
por entre os ferros
E quando tudo se for
morrer pela madrugada
com a raiz de uma flor
na mão cerrada
Poesia Portuguesa - 125
Cigarra
Luís Veiga Leitão (1912-1987)
Esta não é a filha do sol
com pernas e pés de marinheiros
subindo às árvores das herdades.
Esta é preciso ouvi-la dias inteiros
aquém das grades.
Esta
não chama para os campos doirados
onde o canto é livre e aquece, morno.
Mas para silêncios hirtos e cerrados
com fardas e armas em torno.
Desde o sinal das auroras
até à noite que plange
amortalhando as horas,
seu canto não canta, range…
Ó cigarra das torvas claridades!
Seus cantos só pode cantá-los
a boca de pedra e dentes ralos
do ferro nas grades.
Luís Veiga Leitão (1912-1987)
Poesia portuguesa - 124
Luís Veiga Leitão (1912-1987)
Saber que estão vestidos de pedra
botões de ferro casas de sombra
áspero forro do silêncio
Não basta saber que estão encerrados
num punho de pedra esmagando o sol
Não basta saber É preciso ver
aquém dos olhos adentro da voz
e retratá-lo no sangue
– entre a manhã e a janela
o pão e a boca
a parede e a rua
a mão e a ferramenta
Retratá-los no sangue
é despir-lhes a roupa de pedra
é desabotoá-los da sombra
e livres e verdadeiros
respirá-los no ar nos rios
e tê-los por companheiros
(Não basta saber que estão encerrados
num punho de pedra esmagando o sol)
Luís Veiga Leitão (1912-1987)
Poesia Portuguesa - 123
A uma bicicleta desenhada na cela
Luís Veiga Leitão (1912-1987)
Nesta parede que me veste
Da cabeça aos pés, inteira,
Bem hajas, companheira,
As viagens que me deste.
Aqui,
Onde o dia é mal nascido,
Jamais me cansou
O rumo que deixou
O lápis proibido…
Bem-haja a mão que te criou!
Olhos montados no selim
Pedalei, atravessei
E viajei
Para além de mim.
Luís Veiga Leitão (1912-1987)