quarta-feira, 2 de março de 2016

44 – Fuga para o Egipto - 5


Fuga para o Egipto.
Oficinas de Estremoz.
Finais do séc. XIX – princípios do séc. XX.
Museu Municipal de Estremoz.

Foi Camões que proclamou: “Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades. (…)”. A esta máxima acrescento a firme convicção de que “Nada acaba no fim”, tema que animou a última sessão do “Correntes d'Escritas”, um encontro anual de escritores de expressão ibérica que em Fevereiro passado, decorreu na Póvoa de Varzim, minha cidade adoptiva. Vem isto a propósito de, em crónica antecedente, ter dito não ter conhecimento de nenhum exemplar do figurado de Estremoz, de produção local, anterior aos começados a executar por Ana das Peles e Mariano da Conceição, nos anos 30 do séc. XX, na Escola Industrial António Augusto Gonçalves, sob a orientação do Director, o escultor José Maria de Sá Lemos. Acontece que não é assim, já que o Museu Municipal de Estremoz tem no seu acervo e presentemente em exposição, um exemplar cuja presença ali, revoga aquilo que disse então. Trata-se de uma peça das oficinas de Estremoz dos finais do séc. XIX – princípios do séc. XX, a qual reúne, montadas numa única base, as figuras do episódio bíblico de que venho falando. Para além do que já foi dito em crónica precedente, a propósito da interpretação de Mariano da Conceição e pondo de parte, pormenores de decoração, há que referir certas particularidades. A base, sensivelmente rectangular e com os vértices adoçados, não ostenta qualquer marca de autor. São José enverga um manto que lhe protege também a cabeça, à maneira de capuz. A mutilação do braço direito não deixa antever se originariamente empunharia ou não, um bordão encimado por um lírio branco, um dos atributos de São José. Quanto a Nossa Senhora, monta uma burrinha que marcha para o lado esquerdo do observador, à semelhança do que viria a fazer Mariano da Conceição e ao contrário do que faria Ana das Peles e mais tarde, o seu discípulo José Moreira.
A imagem de que venho falando, foi doada em 2002 por Isabel Maria Osório de Sande Taborda Nunes de Oliveira, ex-Vereadora do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Estremoz. Pertencia à Casa da Horta Primeira, onde vivia sua tia, Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos Alcaide (1910-1992), grande poetisa estremocense, conhecida por Maria de Santa Isabel, casada com Roberto Augusto Carmelo Alcaide (1903-1979), comerciante, dramaturgo e caricaturista, irmão de Tomaz de Aquino Carmelo Alcaide (1901-1967), tenor lírico de projecção internacional.
A imagem era utilizada por Maria Palmira na montagem do Presépio, através do qual, ciclicamente era evocado naquela Casa, o nascimento de Jesus. A Poetisa sentia na alma a magia irradiada pelos bonecos de Estremoz e deles fala no seu livro “Flor de Esteva” (1948), no poema “Bonecos de Estremoz”: “Bonequinhos de barro de Estremoz! / Floridas cantarinhas! Primaveras! / Figuras dum presépio de quimeras! / Quem foi que lhes deu vida no meu sonho? / Eterna fantasia cor de luz, / Milagre suavíssimo, risonho, / Do Menino Jesus…/(…)”
A nível local, existem também representações eruditas da “Fuga para o Egipto”, que não podem deixar de ser aqui referidas. Uma delas está pintada na porta direita da maquineta do Presépio da Misericórdia de Estremoz. A maquineta, de pau-santo, acomoda um presépio em barro policromado, atribuído às oficinas de Machado de Castro e de António Ferreira. A outra, figura num painel de azulejos, fabrico de Lisboa, do segundo terço do século XVIII, que se encontra na parede da Igreja dos Mártires, do lado da epístola.

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